O PT venceu as eleições de
outubro/2014 contra todo o poderio econômico e midiático da elite e
da classe média alta. Venceu com a força do povo. Bela frase de
efeito. Mas... quem é esse povo?
Lendo Rudá Ricci 1,
(e aqui recorro a artigo de 2010) posso concluir que há cada vez
menos povão e mais classe média. Ricci informa que os brasileiros
com “renda mensal entre R$
1.064 e R$ 4.591 2”
já eram quase 92 milhões de pessoas naquele distante 2010. Entre
2004 e 2014, 51 milhões de pessoas mudaram de classe social para
posição superior à que se encontravam antes.
A ascensão ocorreu em todos os
estados brasileiros, mas o avanço foi mais veloz para os moradores
do campo 3
do que os residentes nas cidades, mais no Norte e Nordeste do que nas
outras regiões do país. Esse movimento foi causado, segundo Ricci,
muito mais pela recuperação do salário mínimo do que pelos
programas sociais, como o Bolsa Família.
Essa classe alcançou um padrão de
consumo para seus filhos ao qual os pais não tiveram acesso na mesma
idade: cursos técnicos e universitários, o PROUNI e o PRONATEC,
poder de compra que trouxe para dentro de casa móveis e
eletrodomésticos novos, computadores, tablets e smatphones, TV por
assinatura, carrinhos bem mais cheios no supermercado e, em muitos
casos, planos de saúde.
Com informações do texto “45
Curiosidades sobre a Nova Classe Média” 4,
podemos afirmar que o poder de compra da nova classe média é de
46,24%, superando a classe alta; que a maioria de seus componentes é
jovem e negra; seus jovens tem maior escolaridade que os pais, são
conectados e se transformaram nos formadores de opinião de suas
comunidades em um ambiente no qual há mais confiança na informação
de parentes e conhecidos do que nos meios de comunicação.
Do mesmo texto extraímos que a nova
classe média cultiva os valores do trabalho e do esforço próprios,
deseja respeito, “têm a
ambição de "subir na vida", viver melhor, consumir mais
e, portanto, aprender e se qualificar a fim de gerar a renda
consentânea com essa forma de viver. (Bolívar)”5
e está migrando da saúde e educação públicas para os planos de
saúde e as escolas particulares.
O texto apresenta uma definição
básica do imenso grupo social:
O
mundo dessas pessoas ainda é pequeno, restrito à família, ao
bairro, às suas preocupações mais imediatas. Ela pretende que a
sociedade e o Estado lhe deem mais daquilo que já tem, mas não
realidades, propostas e possibilidades diferentes. É religiosamente
também conservadora, no sentido de que ainda mantém os laços
religiosos provindos, na sua maioria, de igrejas evangélicas. Por
isso mesmo são conservadoras também. Muitos são o primeiro
universitário da família. Escolhem a faculdade de grife, mas que
não seja muito cara, um curso não muito exigente, mas aquele que
foi possível entrar. Muitos não se envolvem com o ambiente
universitário, mas querem ter o diploma. Ainda não viram muita
efetividade em uma escolaridade maior. Interessante é que muitos não
têm ainda segurança nessa nova posição. Estão endividados, não
têm perspectiva de futuro muito clara, e os laços anteriores, que
são sua rede de sustentação, se mantêm. Essa rede é representada
pelos hábitos, pela cultura, pela religião e pelos relacionamentos
comunitários do seu bairro. (Jorge Cláudio Ribeiro)
A ascensão dessa multidão criou um
mercado consumidor nacional capaz de sustentar e salvar o Brasil dos
piores efeitos da crise internacional iniciada em 2008 e ainda não
superada totalmente. Enquanto países como Portugal e Grécia foram
ao fundo do poço das políticas neoliberais, e a Espanha amargou um
desemprego superior a 20%, nossas taxas de desemprego vêm caindo ano
a ano, chegando a 2014 com os menores números da História.
Assim sendo, não é de se estranhar
que essa classe tenha votado majoritariamente no PT nas últimas 3
eleições presidenciais, em especial os que vivem no Norte e
Nordeste do país, onde as conquistas sociais tiveram efeito mais
visível.
Na eleição de 2014, porém, um
sentimento de mudança predominou, mesmo entre essa classe, nas
regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste, exceção feita ao RJ e MG.
Se, em números totais, a Presidenta
Dilma obteve mais votos nessas regiões (54,82%: 29.875.512,8) do que
no Norte e Nordeste (45,08%: 24.569.103,9), em termos percentuais a
votação foi bem inferior a de seu adversário (57,5% x 42,5% pró
Aécio no Sul/Sudeste/Centro-Oeste e 64,11% x 35,89% pró Dilma no
Norte/Nordeste), mostrando que o discurso da oposição avançou na
classe que teria menos motivos para desejar a volta das políticas
neoliberais do governo Fernando Henrique. Por que isso ocorreu?
As características da chamada Classe
C, que vimos acima, tais como valorização do esforço próprio,
busca de melhor qualificação, etc, pode ter encontrado eco, dentro
das grandes cidades, na pregação oposicionista, que buscou, em
princípio, demonizar os programas sociais, taxando-os de esmola. A
ideia de uns trabalharem enquanto outros recebem ajuda vai na direção
contrária ao esforço do self-made-man tupiniquim. E a corrupção
mais ainda.
Evidentemente essa apresentação é
distorcida e mesmo mentirosa, mas aqui entram em cena os outros
fatores que, a nosso ver, foram muito mais importantes para
determinar o voto oposicionista nas três regiões Centro-Sul do
Brasil e sobre os quais vamos discorrer separadamente:
- Desinformação ou distorção da informação proposital pela mídia;
- Acesso ainda limitado aos meios de informação alternativos;
- Falha na comunicação do governo;
- Ausência de políticas que aprofundem e garantam as conquistas da nova classe;
- Permitir, por ideologia, que a direita assuma totalmente a guarda de algumas bandeiras que encontram penetração em uma parcela significativa da população;
- Inação política, falta de reformas sociais;
Nas próximas semanas vamos escrever
propostas sobre como atacar cada um destes itens. Não se trata
evidentemente de propostas peremptórias, mas de ideias para serem
debatidas, aperfeiçoadas e, quem sabe, levadas a conhecimento de
quem pode fazer alguma coisa.
Como os três primeiros itens estão
relacionados, vamos tratá-los todos no próximo texto. Clique aqui.
Continua...
1Sociólogo,
Doutor em Ciências Sociais, do Fórum Brasil de Orçamento e do
Observatório Internacional da Democracia Participativa.
2RICCI,
Rudá. O Maior Fenômeno Sociológico do Brasil: a nova classe
média. Escola de Governo.
Disp:
http://www.escoladegoverno.org.br/artigos/209-nova-classe-media -
27/10/2014
3Dados
extraídos da reportagem é de Mauro Zanatta e publicada pelo jornal
Valor, 21-12-2010. Disponível em:
http://www.ihu.unisinos.br/noticias/noticias-anteriores/39469-renda-sobe-e-classe-media-vira-maioria-no-campo
- 27/10/2014
4http://www.sae.gov.br/novaclassemedia/?page_id=58
- 27/10/2014
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